terça-feira, 27 de novembro de 2012
sábado, 17 de novembro de 2012
A DIFERENÇA RISCO/PERIGO
José Luis Serrano
SUMÁRIO: 1 A categoria diferencial risco/perigo; 2 Risco e
estado; 3 Risco e
causalidade; 4 Gestão de riscos
como gestão do tempo; 5 Economia: o risco
ecológico; 6 Complexidade,
seleção, contingência e risco; 6 Risco e ressonância
1 A categoria diferencial risco/perigo
Escreveremos as palavras risco e
perigo unidas/separadas por uma barra
(/) para mostrar que constituem
uma diferença.
Diferença: uma categoria é diferencial
quando não pode ser definida
sem recorrer a seu oposto. Por exemplo: a cara de uma
moeda com
relação à coroa. (Diferença e distinção são termos
sinônimos,
embora o segundo pareça ser mais psíquico e o
primeiro, mais
objetivo. Assim, a respeito de uma moeda igual dos
dois lados,
diríamos que não diferencia cara de coroa; porém, a
respeito de
uma pessoa que não pudesse perceber a diferença entre
cara e
coroa, diríamos que não distingue cara de coroa).
A diferença risco/perigo indica
que, para ser definido o conceito de risco,
precisamos do conceito de perigo e
o oposto. Por exemplo, uma inundação é um
perigo, porém, aquele que constrói
sua casa no leito de um rio expõe-se a um risco.
Um furacão é um perigo, mas quem
provoca o aquecimento global se (e nos) expõe
a um risco. A inundação, o
terremoto e o furacão são o mesmo fenômeno, mas
podem ser contemplados a partir de
dois pontos de vista.
Conceito: O que é observado mediante uma
diferença. Os conceitos
são sempre construções de um observador. Não
preexistem à
observação. Nisto se parecem com os objetos.
Entretanto,
diferentemente destes, os conceitos afastam o
observador daquilo que
é observado.
Ao utilizar a diferença
risco/perigo, partimos do pressuposto de que todo
observador precisa de uma
diferença ou distinção, porque de outra forma não
poderia caracterizar o que
pretende observar. Entretanto, um observador não pode
observar o outro lado da diferença
quando está usando a diferença, porque a
transição de um lado para outro
necessita de tempo. É por isso que quem observa
com o olhar do risco não pode - ao
mesmo tempo - observar com o olhar do perigo.
Tampouco é possível observar a
unidade da diferença (por exemplo, a moeda)
quando um observador está usando a
diferença, porque para isso precisaria utilizar
outra categoria que diferenciasse
a unidade (moeda) de outra unidade, necessitando
também de tempo.
Unidade: aquilo que já não pode ser
decomposto. O termo
etimológico para designar a unidade é o átomo (do
grego ______,
não-parte). Normalmente a unidade é o elemento e a
pluralidade é a
relação.
De resto, devemos distinguir entre
dois tipos de diferenças. O primeiro
tipo de distinção caracteriza
algo, distinguindo-o de tudo o mais. Chamaremos objeto
o que é assim especificado.
Objeto: aquilo que é observado,
caracterizado e distinguido, sem
que se possa separar a caracterização da distinção ou
diferença.
Isto é, aquilo que se caracteriza, distinguindo-o de
tudo o mais. Não
necessariamente o conceito de objeto implica uma
distinção
sujeito/objeto.
O outro tipo de prática distintiva
ou diferença é o que chamamos
conceito. Aqui se delimita o
observado de maneira binária, isto é, levando em
consideração o outro lado:
mulher/homem, lícito/ilícito, possível/provável ou
risco/perigo.
Pode parecer uma obviedade, mas é
importante enfatizar agora: o risco
não é um objeto, mas um conceito.
Além disso, é um conceito histórico tardio que
caracteriza como unidade uma série
de diferenças (LUHMANN, 1991). A palavra
risco é um neolatinismo (risicum) que não surge até meados do século XVI (Ad
omnen risicum, periculum et fortuna dei). Ignoramos a
origem da palavra (árabe,
talvez). Ocorre que por volta de
1500 os observadores precisam introduzir o conceito
de risco para caracterizar
situações que supomos que não estavam bem
caracterizadas com termos muito
antigos como sorte, perigo, acaso ou medo. O
surgimento tardio da palavra não
significa que não se tivesse antes consciência de
risco. Nas transações comerciais
do mais antigo comércio marítimo, há normas
jurídicas para a cobertura de
riscos, há emprestadores de capital que atuam como
seguradores e há definitivamente
um controle planejado do risco, embora não se
chame assim, e as normas jurídicas
apareçam mescladas com a ideia do dano como
castigo divino ou com a
adivinhação como prognóstico de riscos. A palavra, sem
dúvida, somente pode ser
contemporânea do conceito como diferença entre risco e
perigo. Estamos, por isso, diante
de um conceito próprio da modernidade. A partir
daqui, o risco é um complexo
cultural que substitui o arrependimento em confissão.
Se pensarmos bem, a catástrofe
entendida como castigo de Deus pelo pecado
somente pode ser abrandada
mediante o arrependimento e o propósito de emenda.
Isto é, mediante a não repetição
da ação pecaminosa que levou ao dano.
Exatamente o contrário é o cálculo
de riscos: a redução ao mínimo de
arrependimento e a maximização das
ações arriscadas. Isto somente é possível em
sociedades que não vejam a ordem
natural como a ordem desejada por Deus e em
sociedades que substituam a divina
providência pela cobertura estatal ou monetária
do acaso.
2 Risco e estado
Por outra parte, não pode ser
casual que o conceito de risco seja
contemporâneo ao processo de
diferenciação do estado moderno. Tem que existir
uma retroalimentação entre os dois
conceitos que, provavelmente, reside no fato de
que esta cultura do risco sem
arrependimento se comporte como legitimadora da
mesma existência institucional do
estado moderno. Há estado – afirma-se – porque
se necessita de segurança diante
dos acidentes; da enfermidade; do crime; das
catástrofes naturais ou da
condição dos deficientes, das crianças, dos idosos...
Entretanto, para que o risco atue
como instância legitimadora, o estado precisa
apresentá-lo em duas dimensões
complementares: (a) como acidente, isto é, como
disfunção passageira no bom
funcionamento do mecanismo institucional dominante,
e (b) atomizado, um a um e nunca
como um perigo global.
Toda a ideologia do estado moderno
foi construída sobre a base do
medo do caos e, no chamado “estado
de bem-estar”, este medo substanciou-se no
conceito de risco. Conceito
nebuloso, mas sempre carregado de advertências
institucionais contra o “curto-circuito”,
contra o “acidente”, contra a interrupção da
situação que se autoconsidera
ótima. Por isso, de alguma forma, a gestão de riscos
é também a gestão do medo. Também
por isso se explica a exigência de
responsabilidades políticas e
judiciais em relação aos responsáveis administrativos e
políticos quando ocorrem
catástrofes e acidentes. A importância do medo deriva do
fato certo de que é um fator comum
aos observadores ou agentes que optam tanto
pela percepção do risco como
necessário, como pela percepção do perigo como
desnecessário. Um dos problemas e
uma das principais limitações do sistema
político como sistema de gestão de
riscos residem no fato de que não se pode
reduzir esse medo. O poder do
estado provém precisamente da ameaça da violência
física e, portanto, é exigência
estrutural do sistema a produção do medo. A coação
somente funciona se o receptor tem
medo e aquele que ameaça, em caso algum,
pode contribuir para que o
ameaçado perca o medo. A partir deste ponto de vista,
todo sistema político é uma
instância produtora de medo. Pode-se discutir se a
violência é redutível mediante a
violência, mas é absolutamente claro que o medo
não pode ser combatido com medo. A
chamada espiral da violência talvez possa ser
discutível; a espiral do medo (o
pânico) não pode. O sistema político não pode
combater o medo da catástrofe;
está estruturalmente limitado neste ponto. Portanto,
a única forma de atuação que lhe
resta é a de combater o objeto do medo. Isto
introduz um desvio negativo a toda
gestão pública de riscos, convertendo-a numa
política de proibições e
restrições, de sanções e limitações.
3 Risco e causalidade
O modo habitual de colocar os
problemas relacionados com o risco
consiste em procurar as causas na
sociedade, para depois imputar responsabilidade
ao agente social causador.
Buscam-se as raízes do mal e, à luz de sua análise,
tenta-se aperfeiçoar depois as
políticas públicas, os instrumentos de polícia ou de
responsabilidade por danos. No
entanto, eliminar as causas é apenas uma entre as
muitas reações possíveis aos
efeitos do dano. Portanto, o sentido profundo do
princípio de causalidade em
política e direito não é tanto a determinação das causas
do dano, porém bem mais a
imputação de responsabilidades. Os fenômenos da
pluricausalidade (muitas causas
para um único efeito) e da retroalimentação (os
efeitos convertem-se em causas)
deslocam o verdadeiro problema para os métodos
jurídico-políticos de atribuição
da responsabilidade, porque, no final das contas, a
única coisa que tais métodos fazem
é focalizar a responsabilidade, selecionando
uma causa entre as múltiplas
possíveis.
A teoria de sistemas chegou à
conclusão de que os instrumentos
clássicos da indagação científica,
isto é, a dedução lógica e a causalidade empírica
são apenas formas simplificadoras
da observação de segundo grau (a autoobservação
da observação).
Observación: Acto de distinguir para la creación de
información. O
también: el tratamiento de la información como
información sobre la
base de un esquema de diferenciación. La observación
no implica
una diferencia sujeto/objeto, esto es, un observador.
Tampoco es
preciso distinguir entre observación interna y
externa porque el
concepto de observación presupone el de
autoobservación.
Isto significa que não se pode
evitar a decisão acerca do que se
individualiza como causa e acerca
de quem se considera responsável. E decisão
quer dizer que não existe
automatismo, mas que existe direito, moral ou política.
Pode ser que os danos tenham
causa, mas atribuir responsabilidades tem
consequências. Assim, o problema
dos sistemas sociais de decisão é como decidir
qual é a causa e quem é o
responsável, e que ao mesmo tempo pareça que esta
decisão não ocorreu.
A questão do risco converteu-se na
questão decisiva do futuro social,
porque atravessa duas ordens centrais
da contemporaneidade: a tecnologia e a
economia. Trata-se de dois âmbitos
relativos a decisões que são tomadas em
condições de incerteza sobre a
eventual verificação de consequências danosas. Os
danos, no caso de serem
produzidos, podem ser imputados a decisões: diferentes
decisões poderiam tê-los evitado
(DI GIORGI, 1998, p. 215). Esta contingência
aconselha a aproximação aos
problemas do risco por uma via diferente daquela do
princípio de causalidade.
Seguiremos primeiro a teoria da diferenciação sistêmica
que parece servir melhor à
explicação do problema do tempo, que é o problema
econômico, e entraremos depois no
paradigma da complexidade para abordar o
problema tecnológico.
Diferenciação: é o processo de constituição (“nascimento”,
poder-seia
dizer) de um sistema. Um sistema se constitui ou “nasce”
somente
se é capaz de reduzir sua complexidade para
diferenciar-se de um
entorno e de autolimitar-se, isto é, colocar-se
limites para garantir a
manutenção dessa diferenciação.
Diferenciação
funcional:
Normalmente o conceito refere-se à
formação de sistemas no interior do sistema. Não
indica
necessariamente a decomposição de um sistema global
em partes,
mas o surgimento de uma diferença sistema/entorno no
interior do
sistema. A diferenciação é funcional se e à medida
que o
subsistema adquira identidade através do
desenvolvimento de uma
função para o sistema global. Por exemplo:
poder-se-ia (?) falar do
sistema judicial como um subsistema diferenciado no
interior de
sistemas jurídicos ou, mais adiante, da ordem
jurisdicional do penal
como um subsistema judicial. Nesses casos, cabe
também falar do
sistema amplo como entorno interno do subsistema.
4 Gestão de riscos como gestão do tempo
A diferenciação funcional sucede
também no tempo. A sociedade (e
cada um de seus sistemas
funcionais) produz e é produzida por uma diferenciação
temporal com relação ao entorno
físico-real. Em primeiro lugar, esta diferenciação
significa apenas que o que ocorre
no entorno nunca pode ocorrer de forma
simultânea ao que ocorre no
interior do sistema. As coisas nunca acontecem ao
mesmo tempo, dentro e fora. Além
disso, esse desnível do tempo atua como
condição da própria existência da
sociedade e de cada um de seus sistemas
funcionais, visto que, se os
acontecimentos sociais fossem paralelos no mesmo nível
do espaço-tempo com os
acontecimentos de seu entorno, então o sistema perderia
seus limites temporais. Poderíamos
dizer que se desdiferenciaria do entorno
alcançaria uma espécie de
equilíbrio térmico com ele, isto é, morreria.
Diferenciação
temporal: sejam
como sejam, os limites de um
sistema sempre conseguem que as coisas em seu
interior nunca
sucedam ao mesmo tempo em que as coisas em seu
entorno:
sucedem antes ou depois. Cada sistema é, pois, uma
constituição
diferente do tempo. O tempo do universo, o entorno
físico-real (t¹) é
linear, inabarcável e irreversível (segundo princípio
da
termodinâmica); o tempo dos sistemas (t²) pode ser
circular ou
reversível e, no caso dos sistemas sociais e dos
sistemas psíquicos,
é sempre um tempo simbólico.
Por isso, o tempo do entorno é
diferente do tempo do sistema. O sistema
tem um tempo, um ritmo; o entorno
tem outro. E ambas as magnitudes são relativas,
quer dizer que somente podem ser
quantificadas ou medidas a partir da outra. Sua
compreensão somente é possível na
relação (não na essência). O tempo do entorno
físico natural tem três
características diferenciais: (a) é linear, segue a chamada
flecha do tempo; (b) é
irreversível, nunca pode acontecer ao contrário; e é (c)
inabarcável (mais complexo),
porque, se um sistema pudesse abarcar a
complexidade do tempo do entorno,
já não haveria entorno do qual se diferenciar e
deixaria de existir como sistema.
Por sua vez, o tempo dos sistemas
(muito especialmente dos sistemas
sociais) é (a) simbólico, porque é
constituído de comunicações autocriadoras; (b)
reversível, porque pode acontecer
ao contrário e (c) abarcável (relativamente menos
complexo) pelo próprio sistema,
porque seu nível de complexidade é sempre inferior
ao do entorno.
Relatividade: significa que, por diferenciação
temporal, as
magnitudes do tempo do entorno, em especial do tempo
físico-real
do universo (t¹), somente podem ser medidas a partir
do tempo do
sistema (t²) e ao contrário. Não existe um tempo
absoluto (t³) que
permita medir ambos.
Tudo o que foi dito até aqui sobre
o tempo já o sabemos desde o
começo do século XX (relatividade
e termodinâmica), e nas ciências da sociedade
podemos explicá-lo com
propriedade, graças à análise funcional. Todavia,
necessitaremos de um quarto
registro de saber (o do paradigma ecológico), ainda
que seja apenas para evitar uma
leitura perversa dessa bagagem do saber
contemporâneo. Tal leitura
perversa seria a seguinte: estabelecido o caráter
irreversível do tempo do entorno,
sabendo que qualquer coisa que se faça, a
desordem aumentará (flecha do
tempo em sentido termodinâmico), nós nos
extinguiremos (flecha do tempo em
sentido psicológico) e o universo continuará
expandindo-se (flecha do tempo em
sentido cosmológico): por que temos que
assumir as privações de uma
programação ecológica da economia? Por que não
podemos ignorar a entropia em
nossos sistemas simbólicos? Por que temos que
desencadear programas caros de gestão
de riscos ambientais? Não é melhor
desfrutar daquilo que temos e
deixar que aconteça o que tem que acontecer? Por
acaso não houve sempre
catástrofes?
Diante desta lógica determinista e
ecocida, a ecologia política estabelece
a ilegitimidade de qualquer
programação sistêmica que ignore a flecha do tempo e
acelere a extinção. Dito em
linguagem forte, a ecologia política estabelece que há
uma proibição ontológica, em
virtude da qual nenhum sistema pode ser programado
de forma a ignorar a entropia do
entorno e acelerar a extinção. A constituição
simbólica do tempo dos sistemas
não legitima programações internas destes que,
em lugar de contribuir para a
duração, contribuam para a extinção. Dito em
linguagem ética: há uma obrigação
universal que diz: todo sistema deve ser
programado de forma a contribuir
para a duração da vida. Negativamente: é imoral
qualquer programação da economia,
da política, do direito e da ciência que não
contribua para a duração da vida.
Duração: a duração do sistema depende do
equilíbrio entre seus
problemas de autorregulação e seus problemas de
adequação. Uma
inclinação excessiva para os primeiros petrifica os
limites, pode
garantir a conservação, mas impede a evolução. Uma
inclinação
excessiva para fora, isto é, para a adequação, debilita
os limites,
acelera a evolução, mas o sistema se arrisca à
extinção. Não são a
mesma coisa duração e sobrevivência, termo este que
deveria ser
reservado para sistemas vivos. Nem é lícito confundir
simplesmente
a condição de duração com o objetivo do sistema. O
equilíbrio
adequação/autorregulação é, por exemplo, condição de
duração dos
sistemas jurídicos; entretanto, nem por isso podem
ser excluídas de
cara outras finalidades do sistema, tais como a
justiça, a ordem e o
bem-estar.
Todo ser vivo conhecido e toda
forma de vida servem à duração. Há
uma servidão ontológica da vida
com a duração e, portanto, uma programação
somente pode ser ecológica se ela
servir para a duração da vida. Não há gestão
ambiental alguma que não seja uma
gestão de tempo. Não há técnicas gestoras
(econômicas, científicas,
jurídicas, políticas) neutras e limpas com relação ao tempo.
É verdade que não há branco e
preto, a duração não é uma magnitude absoluta e,
portanto, não há gestões ecológicas
e gestões ecocidas em absoluto; o que há são
graus de conformidade com a
duração, graus de legitimidade ecológica. Entretanto,
o que fica claro é que toda gestão
tem por trás uma programação e toda
programação está mais ou menos
próxima da duração como parâmetro de
legitimidade ecológica. Na tarefa
de reprogramação ecológica de sistemas sociais,
deveremos recorrer, portanto, ao
conceito/relação, à unidualidade que separa/une
os conceitos de tempo e vida, isto
é, à duração.
5 Economia: o risco ecológico
A economia, por sua vez, como
sistema de gestão de riscos, merece um
pouco mais de atenção. O risco
institucionalizado é uma característica central
daquilo que Giddens denomina “sistemas
abstratos” da modernidade, pois esse
“risco institucionalizado”
comporta-se como um “risco cultivado”. Um exemplo deste
tipo de risco é a Bolsa de
Valores: “a Bolsa, assim como outros âmbitos de risco
institucionalizado, utiliza
ativamente o risco para criar o futuro, que depois será
colonizado. Aqueles que aplicam
nela entendem bem este fato. Um dos melhores
exemplos é o dos mercados de
futuro. Todas as economias e empréstimos criam
mundos futuros possíveis pela
ativação do Risco.”
Entre os sistemas funcionais da
sociedade que intervêm na gestão
ambiental, o sistema econômico
destaca-se pela crueza de sua seleção e pelo risco
enorme de sua contingência. A
confrontação social entre o interesse ecológico e o
interesse desenvolvimentista é, em
boa medida, o enfrentamento entre setores
sociais que escolhem um risco e
outros que se sentem expostos a um perigo.
Provavelmente seja justo nesta
dialética em que nasce o movimento verde e a
própria ecologia política.
Ecologia: o conjunto de todas as
investigações científicas que se
ocupam das consequências da diferenciação de sistema
e entorno,
no entorno do sistema. O conceito não pressupõe
sistema algum de
tipo particular (“ecosistemas” ou sistemas naturais),
de forma que
pode ser empregado para sistemas econômicos,
políticos, jurídicos,
etc.
Os riscos aceitáveis são, como diz
Beck (1987), “os riscos que já estão
aceitos”; portanto, aqueles que
estão atomizados e apresentados como
disfuncionalidades técnicas no
interior do sistema. Entretanto, a crise ecológica
dificulta sobremaneira qualquer
possibilidade de efetuar esta redução do risco ao
“risco aceitável”. Isto ocorre
porque a crise ecológica é global, externa,
incomensurável, universalizadora e
intergeracional. É a novidade do risco ecológico:
“Aí reside a nova força cultural e
política dos perigos. O poder do perigo suprime
todas as zonas de proteção e as
diferenciações sociais no interior dos Estados e
entre estes”.
A questão do risco rompeu o
binômio capital/trabalho. O código binário
da economia (ter/não ter) – talvez
diferentemente de outros (lícito/ilícito do direito,
verdade/não verdade da ciência,
governo/oposição da política,...) – gera um
risco/perigo de extinção da
sociedade, quando está programado a partir da forma
dinheiro-capital. O capital,
diferentemente de outras programações possíveis da
economia, necessita da mobilização
contínua e permanente de todos os recursos
físico-naturais, pois, sobre a
base de uma forma infinita (o dinheiro), trata de
satisfazer-se numa forma finita (a
forma físico-natural); tal empenho produz
risco/perigo de morte por
esgotamento da forma finita e risco/perigo de morte por
proliferação da infinita. O ter
por ter não é uma mera codificação/programação do
tempo simbólico do sistema que não
afeta o entorno natural. O tempo simbólico do
sistema programado como se a
entropia não existisse, como se houvesse algo
infinito (o dinheiro), não
permanece dentro do sistema econômico, mas salta e
dispara na conquista de
territórios do entorno para a economia, como dispara o
mecanismo do oncogene, com o único
limite da morte do organismo onde cresce.
Apresentemos um exemplo: se
filmarmos a queda de um copo da mesa ao chão,
depois poderemos programar o tempo
simbólico do vídeo para que a imagem
retroceda. Veremos, então, que no
tempo simbólico do vídeo o copo se reconstrói
em vez de quebrar-se, coisa que é
absolutamente impossível em um meio físico
natural, em virtude da segunda lei
da termodinâmica. Com a forma dinheiro-capital
sucede algo semelhante: nós a
percebemos como absolutamente ilimitada, infinita:
sempre é possível acrescentar um
euro à cifra mais alta que possamos imaginar. A
diferença do tempo
cinematográfico, que não substituirá em nossa percepção o
tempo entrópico, o tempo simbólico
da economia, programado como se fosse infinito
pelo capital, certamente
projeta-se para o entorno, confunde-se com o tempo
também linear do entorno e, além
disso, o substitui na percepção sistêmica. É como
se toda a sociedade acreditasse
que os copos quebrados pudessem recompor-se. E
esta forma de tempo sem limite
(que não é, salvo por suplantação impostora, a
forma do tempo entrópico do
entorno físico-natural) é devolvida à sociedade e acaba
alterando e recolonizando
(imperialismo econômico) o tempo dos sistemas sociais
funcionalmente diferenciados. Isto
é o que explica o paralelismo entre o capital e as
tentativas de realização do ideal
(realismo), de exatidão da ciência (positivismo), de
construção do Homem (humanismo). É
esquecer-se de que o abismo que separa a
realidade do desejo, o ser do
dever-de-ser é um defeito “constituinte” do mundo.
O único consolo é que o capital
não existiu sempre e por isso não há
razão alguma para pensar que não
seja possível uma programação não oncológica
do sistema econômico. Todavia,
esse morno consolo em seguida deve ser esfriado
com a distinção entre possível e
provável: é possível que a seleção da Arábia ganhe
a próxima Copa do Mundo, embora
seja bastante improvável. Entretanto, o fato de
ser improvável não justificaria em
absoluto que os jogadores desse time
apresentassem um baixo rendimento
que os levasse a perder todas as partidas e a
não se classificar. Sempre se pode
descer mais. Então, o segredo está em combinar
o pessimismo da inteligência (é
improvável que possamos desmontar o capital) com
o otimismo da vontade (é
imprescindível trabalhar para isso, porque se nós
permanecermos quietos, com certeza
cairemos ainda mais).
6 Complexidade, seleção, contingência e risco
Complexidade: Um fato é complexo se contém uma
quantidade tal
de elementos que torne impossível colocá-los em
relação recíproca,
a não ser por seleção. De outra forma, dizemos que um
sistema é
complexo quando alcança um nível de organização tal
que se torna
impossível todos seus elementos interagirem ao mesmo
tempo. A
teoria da complexidade não trabalha com a categoria
diferencial
sistema/entorno, mas com a de elemento/relação. Por
exemplo, se
explicarmos uma casa a partir de seus cômodos,
estaremos
empregando a ótica da diferenciação funcional; porém,
poderemos
explicar a mesma casa como um conjunto de materiais,
vigas,
pisos.... e, então, estaremos utilizando a teoria da
complexidade.
Para cada sistema o entorno é
sempre mais complexo do que o próprio
sistema. É por isso que nenhum
sistema pode atribuir uma função a todos os
elementos de seu entorno. Se um
sistema dominasse desta forma seu entorno, iria
converter-se em entorno e deixaria
de ser sistema. Como um sistema limitadocomplexo
pode durar em um entorno mais
complexo e reproduzir-se? A questão é
genética e pode remeter-se
tranquilamente à teoria da evolução. Para nós, basta
estabelecer que a duração do
sistema exige a redução da complexidade.
Agregado: é uma soma de elementos sem nenhuma
propriedade
comum.
Conjunto: é um agregado de elementos que
compartilham uma
propriedade.
Sistema: é um conjunto de elementos que
interagem entre si e que,
ao fazê-lo, diferenciam-se mediante limites de um
entorno com o
qual se comunicam.
Entorno: (também “meio” ou “ambiente”, umwelt,
environnment). O
sistema tem limites, o entorno não tem. Por isso o
sistema pode ser
delimitado ou definido e o entorno não pode. O
entorno somente
pode ser definido a partir de cada sistema e para
cada sistema.
Cada sistema tem um entorno e somente um. Não pode
haver dois
sistemas diferentes com o mesmo entorno.
Por sua vez, a redução de
complexidade pode realizar-se de duas
maneiras: limitando o próprio
entorno ou percebendo de maneira categorial préformada,
isto é, através de um léxico
preexistente de categorias ou conceitos. Todo
sistema dispõe para isso de um
modelo de seleção das relações que exclui
temporariamente outras
possibilidades de relação.
Seleção: toda operação em virtude da qual
um sistema reduz sua
complexidade, diferenciando entre seus elementos e os
elementos
do entorno. A seleção implica contingência e a
contingência implica
risco. O conceito de seleção não tem elemento
psíquico-humano
algum. Os sistemas vivos, os sociais e inclusive os
mecânicos
projetam suas estratégias de seleção sem que em
momento algum
intervenha a vontade humana.
Outras possibilidades de seleção
significam contingência, isto é, em
lugar das relações selecionadas
poderiam ter sido escolhidas outras. E contingência
significa risco, isto é,
possibilidade de equivocar-se na seleção. Em compensação, o
conceito de perigo não depende da
atuação do sistema.
Elemento: unidade que o sistema elege como
unidade. Seria um
erro pensar que os elementos se agrupam e formam
sistemas. É
justamente o contrário: um elemento é aquilo que o
sistema constitui
como elemento. Os elementos não constituem o sistema,
mas o
sistema seleciona quais elementos pertencem a ele e
quais
pertencem a seu entorno.
Relação: todo contato entre elementos. Um
elemento está dentro ou
fora do sistema; as relações, em compensação, podem
atravessar
os limites.
A outra possibilidade de um
sistema durar consiste em provocar uma
alta independência e um alto nível
de isolamento do sistema; portanto, poupa
dependência e poupa sensibilidade.
É óbvio que isto não vale para sistemas muito
evoluídos, econômicos ou
socioculturais. Que outras formas, então, podem ser
pensadas como equivalentes
funcionais da independência e do isolamento? A
resposta é uma maior complexidade
própria do sistema.
Uma maior complexidade própria não
é uma qualidade simples e o
incremento não pode ser atribuído
a uma única dimensão. Assim, os sistemas
complexos em geral são capazes de
manter uma pluralidade de relações com seu
entorno e, ao mesmo tempo, selecionar
em seu interior cada novo elemento de
forma que seus elementos e
estruturas sejam altamente contingentes.
Evolução: Todo sistema, a partir de um
grau relativamente baixo de
organização, é complexo; entretanto, todo sistema é
sempre menos
complexo que seu entorno. Um sistema que alcançasse
um nível de
complexidade igual ao de seu entorno perderia seus
limites, ele se
desdiferenciaria, morreria por hipertrofia. Este desnível de
complexidade a favor do entorno sempre existe, mas
nunca é
constante, pois flutua ou varia. A essa variabilidade
chamamos
evolução.
7 Risco e ressonância
A transformação conceitual de um
problema do entorno em problema da
sociedade é sempre uma seleção
redutiva, mas toda seleção é contingente (possível
de outra maneira).
Sociedade: seria o sistema social que
incluísse todas as
comunicações dotadas de sentido. Se há comunicação,
há
sociedade. Não há comunicações fora dos sistemas
sociais.
Portanto, uma coisa ou outra: a sociedade é um
sistema fechado
que não intercambia nada com seu entorno ou a
sociedade não é
um sistema, mas simplesmente há sistemas sociais. Uma
catástrofe,
um furacão, um naufrágio, um acidente de trânsito são
fatos que
ocorrem em tempo físico-real, isto é, no entorno e
convertem-se em
problemas sociais (e socialmente administráveis) se e
somente se
os agentes da sociedade (comunidade científica, meios
de
comunicação, associações ecologistas, etc.) os
percebem, os
observam, os definem... em uma palavra, os comunicam.
Comunicação: em teoria de sistemas o conceito
não indica somente
um agir comunicativo que transmite informações;
indica muito mais.
Comunicação é a operação autopoietica do sistema que
é capaz de
conectar em uma unidade três diversas seleções:
informações,
notificações e compreensões, para poder incluir
ulteriores
comunicações.
O processo em virtude do qual um
acontecimento do entorno se
converte em problema dos sistemas
sociais depende, portanto, bem mais da própria
capacidade de observação do
sistema do que da magnitude objetiva do risco/perigo.
Sistema
social: um
sistema social se realiza sempre que ocorre uma
conexão de comunicação e se delimita quanto a um
entorno através
de uma limitação das comunicações oportunas. Os
sistemas sociais
consistem, pois, não em homens nem mesmo em ações,
mas em
comunicações.
E, por outro lado, a seleção de
qualquer problema ambiental como
problema de um sistema social
(seja o jurídico, o econômico, o da ciência,...) supõe
necessariamente uma espécie de tradução reduzida dos termos do problema à
própria semântica do sistema.
Isto se torna mais evidente quando
falamos do sistema econômico. Se
um economista taxa um dano
ambiental em, por exemplo, um milhão de euros, o
que ele faz é transformar em
problema econômico o problema ecológico. Selecionar
o problema do entorno e traduzi-lo
em termos econômicos. A ninguém escapa que
essa tradução é redutiva: o
problema perdeu complexidade: o conceito “um milhão
de euros” é sempre menos complexo
que o problema ambiental. Entretanto, o fato
certo é que nenhum problema dos
sistemas naturais pode converter-se em problema
de um sistema social sem sofrer
essa transformação comunicativa. Depois, pode-se
discutir se a extinção vale mais
ou menos, se os cálculos estão bem feitos ou não,
se o dano é avaliável ou
incomensurável,... mas toda a discussão ocorrerá no
interior do sistema econômico e em
termos econômicos, não mais ambientais.
Portanto, a reformulação do
problema ecológico em problema social seja feita ou
não, se possa fazer ou não, se
faça bem ou mal ou se faça de forma ampla ou
restrita depende mais da estrutura
do sistema que recepciona o problema do que da
natureza do problema. Isto
significa que, diante dos acontecimentos do entorno, os
sistemas sociais somente podem
reagir à medida que sua própria estrutura lhes
permita. Aqui está formulado o
conceito de ressonância.
Ressonância: este conceito da engenharia (e
da música) em geral
indica que os sistemas podem reagir diante dos
eventos do entorno
somente na medida de sua própria estrutura.
Está aqui formulada também a
evidência de que todo sistema tem
limites.
Limite: ao diferenciar-se de seu
entorno, um sistema cria limites que
podem ser mais ou menos intransponíveis, conforme a
seleção do
próprio sistema, de um muro a uma membrana. A partir
deste ponto
de vista espacial, o limite é a função que distingue
o dentro do fora.
A partir do ponto de vista temporal, o limite faz com
que as coisas no
interior de um sistema nunca ocorram ao mesmo tempo
em que as
coisas em seu entorno (ver diferenciação temporal).
E que, diante de cada problema
concreto, nem sempre será possível
encontrar a solução. Por exemplo:
um economista da escola ecológica não duvidaria
em corrigir o texto de um
economista anterior para dizer-lhe que a extinção de uma
espécie é incomensurável, isto é,
que o problema ecológico não é um problema
econômico, porque o sistema
econômico não tem capacidade de ressonância para
assumi-lo. Um juiz também não
duvidaria em rejeitar uma ação baseada na extinção
da vida em Marte; diria que este
não é um problema jurídico. O direito, a economia,
a ciência somente podem abrir-se
através de uma autorreprodução autocriadora
fechada, determinada por um
código.
Código: os códigos consistem em um valor
positivo e um valor
negativo e tornam possível a conversão de um no
outro. Por
exemplo: o código do sistema da ciência é
verdadeiro/falso, o da
economia ter/não ter e o do direito lícito/ilícito.
Os códigos ocorrem
duplicando a realidade com a qual o sistema vai se
encontrando em
sua comunicação com o entorno. Oferecem por isso um
esquema
para a observação do exterior. No âmbito desse
esquema, todo o
observado parece contingente, isto é, possível também
de outra
forma.
Isto significa que, quando um
sistema seleciona (e reduz) como próprio
um problema do entorno, ele o faz
de uma única forma possível? Quando um juiz
aplica uma norma a um fenômeno de
contaminação, age da única forma que lhe
permite o sistema jurídico? Quando
um economista avalia um dano ambiental, ele
lhe dá um único preço possível?
Enfim, isto significa que os sistemas sociais
codificados agem no entorno como
podem e que não é possível pedir-lhes mais em
matéria ecológica? É ingenuidade
ou exagero solicitar uma programação ecológica
da ciência, da política ou do
direito?
A leitura do conceito de
codificação binária de Luhmann (1985) parece
sugerir que isto é assim. Sem
dúvida, é evidente que não, ao menos por duas
razões: em primeiro lugar, porque
se fosse assim os problemas do entorno
elegeriam os sistemas nos quais
pudessem ser tratados, mas ocorre justamente o
contrário: é o sistema que
seleciona seus próprios problemas. Em segundo lugar, se
a seleção não fosse contingente,
um sistema trataria de forma sempre igual um
problema igual, isto é, não
existiria a evolução. Sem dúvida, sabemos que da
mesma forma que o entorno é sempre
mais complexo que o sistema, esse desnível
de complexidade nunca é constante:
isto significa evolução. Portanto, a
complexidade do entorno implica
seleção (redução de complexidade) para que
exista um sistema, a seleção
implica contingência (possibilidade de selecionar de
outra maneira) e a contingência
implica risco (possibilidade de selecionar de forma
inadequada os objetivos do
sistema).
Referências
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Avila Editores, 1980.
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Frankfurt: Suhrkamp, 1987.
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Cuestiones de supervivencia,
estructura social e ilustración ecológica" en Revista de
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DE GIORGI, Raffaele (1998) Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro.
Porto Alegre: Sergio Antonio
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ESCOHOTADO, Antonio (1991). El espíritu de la Comedia. Barcelona: Anagrama,
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GARRIDO, Francisco (1996). La Ecología política como política del tiempo.
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Buenos Aires: Amorrortu, 1975.
HAWKING, Stefen (1988). Historia del Tiempo. Barcelona: Crítica, 1988.
LUHMANN, Niklas (1985) Ökologische Kommunikation: Kann die moderne
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Westdt.
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LUHMANN, Niklas (1991). Sociología
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Universidad de
Guadalajara, UNAM, 1992.
TIERNO GALVÁN, Enrique (1971). «La
realidad como resultado» en del mismo autor
Escritos 1950-1960. Madrid: Tecnos, 1971.
Notas
1 Professor do Departamento de
Filosofia do Direito da Universidade de Granada – Espanha. E-mail:
jserrano@ugr.es
Recebido em: 04/2009
Avaliado em: 07/2009
Aprovado para publicação em: 07/2009
Cristiano S Pires ------------------------------------------- Krystyano_tst@hotmail.com
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